Fotos: Charles Guerra, Gabriel Haesbaert e Lucas Amorelli (Diário)
Com 30 anos de experiência, o taxista Valmir Bolzan, 63, está acostumado com o ritmo frenético do trânsito. Só não acha natural as cada vez mais frequentes hostilidades entre motoristas e motociclistas.
- Esses dias, um deles foi da Acampamento até a Fernando Ferrari atrás de mim, me ameaçando, dizendo que ia no ponto me pegar - conta Bolzan, acrescentando que o motivo da irritação teria sido uma buzinada dada por ele após o motociclista ter cortado sua frente.
Na "guerra" da hora do rush, não raro, motoristas e pilotos ficam em trincheiras opostas. Numericamente, a batalha é desigual, já que número de carros em circulação é quase três vezes maior que o de motocicletas. Segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), há 94.033 automóveis registrados em Santa Maria (utilitários e caminhonetes não entram na conta) e, "apenas", 28.311 motos.
Ainda assim, mais da metade dos acidentes com morte nas ruas e estradas de Santa Maria em 2017 teve uma moto envolvida. E, para muitos motoristas, a desvantagem quantitativa é inversamente proporcional ao número de infrações cometidas sobre duas rodas. E os motoboys são apontados como os mais imprudentes entre os apressados.
- Eles "costuram" no meio dos carros e tiram fino dos espelhos. Não temos nem o que fazer, porque não dá nem tempo de reclamar. A gente é refém do mau comportamento dos entregadores - reclama a professora Alessandra Zago Souza, 44 anos.
PRESSA É DO JOGO
Para o aposentado Mário Conrado Braga, 69 anos, essa falta de compostura é resultado da falta de fiscalização:
- Motoqueiro faz o que quer. Passa sinal vermelho, ultrapassa pela direita, estaciona em local proibido, e não se vê um guardinha para moralizar a situação.
A filha de Braga, Luiza, 23 anos, também reclama:
- Andando a pé pelo Centro, todo o dia se encontra um parado sobre a faixa de pedestre. E eles mal esperam a gente passar para arrancar e sair correndo
Marcos (nome fictício), 24 anos, atua há quatro como entregador de lanches e admite burlar as leis de trânsito em nome da profissão. Mas faz uma ressalva: não é único.O rapaz também reclama que, muitas vezes, precisa ultrapassar porque há motoristas que dirigem muito devagar e pelo meio da via. Afinal, "fazer tempo para chegar depressa" é uma premissa da profissão de motoboy.
Entre os dias 12 e 15 de março, a reportagem do Diário percorreu ruas e estradas de Santa Maria em busca de flagrantes de descumprimento à lei do trânsito por motociclistas. E foram dezenas de episódios: de excesso de velocidade até motos circulando pela calçada e na contramão. Nesta reportagem, condutores de veículos sobre duas e quatro rodas, profissionais do trânsito e especialistas falam sobre as causas e consequências das infrações, e sugerem soluções.
OS MOTOBOYS SE DEFENDEM
Assim como a economia de combustível, a possibilidade de se deslocar com facilidade e em menor tempo estão entre os principais atrativos para quem compra motocicletas.
- Eu tenho moto. Se é para vir de casa para o Centro, deixo a caminhonete em casa e venho de moto. É muito melhor - afirmou um taxista do Centro que se identificou como Mano.
Já para quem depende da agilidade da moto para obter seu ganha-pão, o veículo é praticamente irresistível. É o caso dos motoboys, os profissionais que trabalham com telentrega.
-Temos de chegar rápido e, também, não podemos demorar para voltar à base (o ponto) porque precisamos conseguir mais trabalhos - explica Eder Gomes, 26 anos.
Eder, que trabalha como motoboy há três anos, garante não ser infrator, mas admite que a pressão do relógio pode levar alguns profissionais a cometer imprudências. Por outro lado, argumenta que, muitas vezes, o comportamento de motoristas de carros, ônibus e caminhões é o catalisador de atitudes imprudentes que podem resultar em acidentes.
- Tem gente que dirige a 10 km/h pelas ruas. E os motoristas santa-marienses não têm o hábito de usar o pisca-alerta. Isso acaba causando acidentes - afirma.
Segundo Eder, a falta de uso da seta - que indica a intenção do motorista de mudar de pista, converter ou se deslocar pela direita ou pela esquerda - foi a causa do único acidente que sofreu em três anos de profissão. Um caminhão deixou o acostamento sem sinalizar, batendo na moto. O motorista teria ido embora sem prestar socorro ao motociclista.
PÉ NO FREIO
Se acelerar é comum para os entregadores, frear é mais frequente entre os mototaxistas. Óbvio. No transporte de passageiros, o cuidado deve ser redobrado, sob pena de condutor e passageiro sentirem na pele, literalmente, a dor de um acidente. O medo dos clientes também desacelera a intenção dos pilotos em andar mais depressa.
- As pessoas reclamam se a gente corre. Menos as que estão atrasadas para ir à rodoviária. Aí, elas dizem: "Pode voar!" Mas meu apelido por aqui é tartaruga. Não passo de 50 km/h e, se tiver de correr com passageiro, nem vou - conta Sergio Maia, 39 anos, mototaxista no ponto da Praça Saldanha Marinho.
A prudência é a certeza de continuar trabalhando, diz Maia, que quer evitar acidentes como o que vitimou o colega Leonir Lima, 47 anos. Há dois anos, ele foi colhido por um carro que ultrapassou o sinal vermelho. A moto teve perda total, a passageira se feriu, e Lima teve uma fratura no joelho que exigiu a colocação de quatro pinos.
- Fiquei oito meses sem poder trabalhar - lamenta Lima.
DESPREPARO
Veterano no ramo, o mototaxista Roberto Bizonin, 57 anos, acredita que o despreparo de motociclistas iniciantes possa estar associada aos casos de imprudência ou imperícia. Ele lembra que mototaxistas e motoboys legalizados são obrigados a fazer cursos específicos de pilotagem e direção defensiva. Porém, como o ramo também admite trabalhadores informais, muitos podem ser vítimas de seu próprio despreparo.
- A gurizada muito nova, que não tem emprego, com R$ 3 mil compra uma moto velha e sai fazendo tele. Em que horário? A partir do fim da tarde, quando não tem fiscalização. Vai ter que morrer muita gente para darem atenção a isso? - questiona.
IMPUDÊNCIA = FALTA DE FISCALIZAÇÃO
Apesar de Santa Maria ainda poder ser considerada uma cidade de médio porte, tem trânsito de cidade grande. E as estatísticas corroboram essa ideia. Com uma frota total de 154.652 veículos em circulação, as ruas e estradas locais foram cenário de 32 acidentes com morte em 2017. E 17, mais da metade deles, envolviam motocicletas.
O delegado Gabriel Zanella, titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP), diz que a principal causa desses episódios é a negligência dos condutores em geral. Para reduzi-la, só com fiscalização.
A fiscalização de trânsito está longe de ser a ideal. Segundo informações da Secretaria de Mobilidade Urbana, enviadas pela assessoria de imprensa do Executivo, a Coordenadoria de Trânsito e Mobilidade Urbana (CTMU, antigo DMT) não tem efetivo suficiente. Para a Organização Mundial de Saúde, o ideal é ter um agente de trânsito para cada mil veículos. Como Santa Maria tem uma frota total de 154.652 veículos e estima-se que haja outros 26 mil em circulação na cidade sem transferência de documentação, o número ideal de agentes seria 180. É o triplo do que existia quando o órgão foi criado, há 20 anos. E a realidade atual é ainda mais dura. A CTMU conta, hoje, com 35 (sendo que cinco são administrativos).
APOSTA NA TECNOLOGIA
A Guarda Municipal até podeira ajudar na fiscalização do trânsito, conforme o Código de Trânsito Brasileiro. Porém, o Detran exige um curso de capacitação, que ainda não foi feito. Assim, os guardas podem dar apoio a atividades como a Balada Segura, mas não coibir irregularidades.
Frente à carência de recursos humanos, a prefeitura aposta na tecnologia. Desde o último dia 1º, circula na cidade um veículo equipado com câmeras capazes de identificar e fotografar placas de veículos, indicando localização, data e hora do flagrante. O carro é conduzido por dois fiscais de trânsito, e os dados são emitidos via internet para outros dois servidores, em tempo real. O carro foi emprestado ao Executivo pela Rek Parking, que tem a concessão do estacionamento rotativo na cidade, como parte do contrato com o município.
Ainda estão nos planos da Secretaria de Mobilidade Urbana a instalação de câmeras de alta resolução e controladores eletrônicos de velocidade. O prazo para os projetos saírem do papel não foi informado.
ESTÁ NA LEI
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, motociclistas devem seguir algumas regras para se proteger e evitar acidentes. Eis algumas:
- Ande com cautela. A moto é um veículo que induz o condutor a acelerar.Cuidado!
- Nunca deixe de utilizar o pisca alerta
- Evite andar nas filas entre os carros, o guidão da moto pode bater no retrovisor de algum carro, podendo até causar algum acidente
- Quando estiver dirigindo, guarde uma distância segura do veículo a frente. Não ande muito próximo, pois assim você tem mais capacidade de discernir as ações do outro, podendo evitar um acidente
- Nunca realize ultrapassagens em curvas, em faixas contínuas, em pontes, chuva, cerração, subidas ou descidas
- Jamais dirija sob domínio de drogas ou álcool
- Ao notar que outro motorista insiste em ultrapassar ou qualquer outro tipo de situação adversa, deixe-o passar. O mais importante é a sua segurança e do seu passageiro
- Sempre use o capacete
- O semáforo existe para ser respeitado. Não tente ultrapassar a luz amarela, pois ela significa "reduza a velocidade" e não "acelere"
- Lembre-se que, além de motociclista você também é um pedestre, portanto respeite quem está andando na rua. Respeite calçadas, canteiros e passarelas
- Ao realizar ultrapassagens, faça sempre pela esquerda
- Não ande pelo acostamento. Ele existe com o intuito de auxiliar em caso de acidentes, problemas no veículo, etc.